2 de junho de 2008














































Terra Minada, Terra Armadilhada
Todos prestamos atenção e nos impressionamos quando vemos ouvimos ou lemos sobre a insegurança das minas deixadas nos campos de guerra e o seu deflagrar matando ou mutilando crianças e adultos. Várias figuras mediáticas têm denunciado estas situações. Todos nos recordamos de imagens da Princesa Diana em viagem a África com crianças negras mutiladas. E não notamos as armadilhas que estão perto de nós, à nossa volta.
Em criança convivi com dois poços um para abastecimento doméstico em que a água era tirada com uma roldana e o outro mais afastado de maior diâmetro e muro de protecção mais baixo (semelhante á maioria das fotografias aqui apresentadas) para rega da horta e lavagem das roupas. A água para beber e cozinhar era trazida todas as tardes duma fonte de uma propriedade próxima em cantaras de barro pela minha mãe, uma á cabeça e outra no quadril. Eu também tinha uma cantarinha mais pequena…
O primeiro poço era próximo de casa e recordo-me de tirar dele água com o balde que não podia encher porque senão o peso puxava-me para o seu interior. A minha mãe sempre me recomendou os cuidados a ter até porque (era eu bebé) na sua abertura um primo meu ainda criança na sua brincadeira inocente empurra o meu pai para dentro do mesmo que ainda jovem conseguiu agarra-se de modo a tempo de ser socorrido… Este poço tinha o “gargalo” alto e eu só em bicos de pés conseguia espreitar lá para dentro e ver as rãs ou o seu fundo seco no verão. À noite parecia que ouvia mesmo o cante da sua Moura Encantada e quando ficava seco sofria por pensar que ela devia estar em sofrimento pois nem cantar se ouvia…
Do poço mais largo eu tirava a água para o tanque na companhia da minha mãe com uma bomba manual de madeira. Neste poço inicialmente viviam rãs e peixes pois ficava sempre um lago de água que não se conseguia tirar. Com anos seguidos de seca até esse lago se evaporou…
Ainda criança a primeira vez que soube o que era o suicídio foi por um relato duma mãe que se suicidara e matara previamente os dois filhos num poço semelhante a estes. Na altura não sei se fiquei ou não com receio, mas pelo menos isso não me retirou o interesse que sempre tive por poços e fontes, penso eu mais que compreensível para quem nasceu numa terra sempre com falta de água como era o Alentejo de algumas décadas. A água é fonte de vida e a sua poupança e preservação são inadiáveis, o que em nada contende com a necessidade de prevenir acidentes.
Na minha vida profissional, nomeadamente nos onze anos à frente do Ministério Público em Vagos e Mira convivi com várias situações mortais de adultos e uma criança ocorridos em poços. Não referirei os nomes dos falecidos, a localização concreta do poço ou outro elemento pelo respeito nem utilizarei imagens dos mesmos devido à sua memória e à privacidade de suas famílias. Refiro apenas algumas dessas situações com o único objectivo de prevenir outras mortes.
Se repararmos quase todos os terrenos dentro e fora das localidades possuem um poço de diâmetro largo, a céu aberto, morado com blocos de cimento ou de tijolo, muitas vezes encoberto por ervas e arbustos e outras nas proximidades de escolas, estradas, ruas, espaços de brincadeira.
Muitos muros de protecção nem atingem o meio metro e talvez metade deles estão em ruínas.
Esta situação não é exclusiva de Vagos e Mira! Apenas me refiro a Vagos e Mira por ser a realidade que melhor conheço. Mas nos concelhos de Oliveira do Bairro, Oiã, Cantanhede… existem várias situações idênticas.
Existe um poço no concelho de Cantanhede com um diâmetro muito superior ao habitual e pode avistar-se da Estrada que liga Mira a Cantanhede, neste sentido.
Na zona de Estarreja, embora em menor número, as situações repetem-se.
Alguns destes poços ficam no caminho na rua para a escola! A curiosidade das crianças em espreitar para dentro do poço é natural.
Até porque nalguns deles há flores e noutros se ouvem coaxar as rãs.
Alguns já sem protecção são autênticas ratoeiras para quem anda no campo.
Não recomendo passeios pelos campos ou travessias por lugares que não se conhecem. Recordo-me dum jovem que decidiu de madrugada fazer o caminho para casa, entre dois lugares próximos não pela ligação de estrada mas mais a direito pelos campos. Encontrou a morte numa dessas armadilhas. Eu própria há dias foi a um campo dentro da Vila de Vagos tirar fotografias a umas papoilas e só dias depois me apercebi que junto a esse local por debaixo do silvado estava um poço.
A reconstrução dos muros que ruíram, a subida de alguns centímetros na altura do muro de protecção e a limpeza da área circundante são medidas urgentes e próprias do exercício responsável do direito de propriedade.
A subida na altura do muro de protecção evitaria ainda o péssimo hábito das pessoas que ainda cultivam os terrenos de se sentarem no bordo do poço para descansar ou para comer a merenda. Um agricultor fê-lo porque começou a sentir-se mal disposta e nessa situação cai lá para dentro. Outra sentou-se para descansar e um bocado do muro velho ruiu.
Mas há casos em que a reconstrução do muro de vedação não é suficiente.
Há poços na berma das ruas e estradas, dentro e fora das localidades em que qualquer acidente de viação ou uma simples despistagem mesmo de bicicleta pode provocar a queda no poço e a morte por afogamento. Aqui já aconteceu! Numa situação o corpo do condutor dum ciclomotor foi projectado caindo no poço. A autópsia médico-legal comprovou que a morte ocorrera por afogamento e não devido a qualquer traumatismo. E conheci situações em que (por sorte) o corpo ficou aquém alguns centímetros…
Nestas situações a cobertura é imprescindível.
Junto à estrada Nacional 333no entroncamento de estrada de terra batida à saída de Sósa, lado esquerdo no sentido Sósa-Palhaça, existe uma situação curiosa em que apenas metade do poço foi coberta.
A cobertura é a solução ideal. Pois só a cobertura em cimento ou rede resistente protegerá seguramente pessoas e animais. Mas só a rede resistente bem segura e de malha apertada protegerá seguramente pessoas e animais.
Tenho um gato chamado Sol. Se os gatos têm sete vidas, o Sol já gastou pelo menos uma… Foi salvo por um agricultor que ouviu um barulho esquisito dentro do poço e o conseguiu tirar da água quando já desesperado ainda mantinha as duas mãos agarradas ao tijolo da parede. Chegou com o pêlo totalmente colado ao corpo e foi tal o susto da caçada, da aventura amorosa ou do simples passeio (não fala!) que durante alguns dias não quis sair do sossego do lar. Se os poços tivessem cobertura também os gatos e cães estariam protegidos…
Não fique indiferente, pode verificar o que existe perto de si e conscencializar as pessoas para os perigos existentes. Vemos ouvimos e lemos, como afirmou Sophia, não podemos ignorar.
Este texto é um excerto de um trabalho mais elaborado que tenho vindo a realizar com o objectivo de ajudar a prevenir acidentes.

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