28 de junho de 2009

O poeta José do Carmo Francisco ( a propósito dos gatos)

O gato de Fernanda – nove fragmentos

Atento, discreto, pacato. No perímetro da luz, olha a dona. O gato.
No lume aceso com a lenha do barracão antigo, as sombras são afastadas até ao sótão da infância. Aos gatos, sua paisagem, seu povoamento. Que força empurra o gato frente ao sol no castanho-luz do telhado?
Teu gato a quem a chuva proíbe telhados e terraços. Veio do Egipto num navio de Veneza. No Cacém, sorri à dona portuguesa.
Terra trazida. Pequenas partículas de chuva nos limões e nas maçãs, invisíveis memórias de uma terra trazida. Minha terra, perto do teu gato.
Vejo intervalos de sol nos telhados do bairro, humidade permanente a respirar nas telhas como se o prédio fosse um corpo cansado, humano. O gato espreita.
Roubar alguns cabelos teus para fazer cordas de uma guitarra. Suave melodia, frente ao gato.
Há no teu olhar telhados infinitos, memória de paquetes brancos no rio e de sardinheiras vermelhas na varanda ao lado. Luz e calor. Gatos e sorrisos.
Há na tua voz um som que incorpora os sinos de Lisboa. De São Roque à Sé, da Conceição Velha à Madre de Deus. Toda a geografia de um afecto assim reproduzido, junto ao gato na janela.

José do Carmo Francisco

Agradeço ao Poeta a autorização para publicar o que me enviara a propósito do Post dos gatos de Essauoira.

5 comentários:

Anónimo disse...

Carissima amiga - o facto de não haver comentários diz bem do estado a que isto chegou... JCF

marialascas disse...

Todos nós sabemos que a poesia a escrita a leitura continua a ser um mistério de poucos. E o meu blog também não tem muitas visitas e alguns que o conhecem poder-se-ão sentir menos à vontade para comentar. Mas nós sabemos o seu valor e o meu amigo também o sabe!
Bjs.

Ezul disse...

Ora, e eu não comentava um texto sobre gatos? Claro que o fiz mas, por qualquer daqueles mistérios relacionados com o humor das máquinas, não consegui que o texto fosse publicado e a inspiração não foi suficiente para o recriar. Mas, partindo agora por esses insondáveis caminhos dos gatos, voltarei de noite, em busca da palavra que traduza o mistério da raça felina e o "nosso" tão raro afecto pelos bichanos.

mariabesuga disse...

Pois numa visita por alguns espaços amigos e/ou conhecidos aqui deixo um beijo para ti outro para o José do Carmo.

Quanto aos gatos são do jeito que o JCF fala. Atentos, discretos, pacatos fazem a sua pequena geografia dentro do espaço que é o do dono/a ou alargam-na, pelo menos de vez em quando, se são gatos de telhado porque a isso lhes obriga o instinto...

Eu não ligava muito a gatos. Agora tenho/temos dois. São fantásticos. Completamente diferentes um do outro mas apesar disso instintivamente tão mais iguais quanto mais os conhecemos...

Anónimo disse...

Afinal não é bem assim ainda há gente simpática que convoca a alegria do encontro... JCF