Lavre, minha freguesia natal, é hoje uma pequeníssima vila alentejana, tendo gozado da qualidade de cidade em data anterior ao terramoto de 1755 como o nome de Lavar.
Há dias encontrei na navegação pela Internete deste curioso texto sobre uma Calçada de Lisboa que passo a citar:" Porque se chama Calçada do Lavra e Ascensor do Lavra?
(2007-05-01; Fonte: Jornal da Região nº78; Autor: Appio Sottomayor)
O centenário Elevador do Lavra é o mais antigo transporte do género na capital, sendo classificado como monumento nacional Sejamos justos: sem o elevador, a Calçada do Lavra nada seria e a maior parte dos lisboetas passaria por ela sem lhe ligar grande importância, já que, na base, só de olhar para a sua inclinação, fica um transeunte logo cansado... Sem aquele carrinho amarelo que, paciente, sobe e desce, unindo os baixos do Largo da Anunciada aos altos do Torel e vizinhanças do Campo de Sant Ana, a calçada seria talvez uma espécie de campo de treino para alpinistas ou pista de "escorrega" para garotos dispostos a bater com a cabeça nas lajes do sopé. Basta verificar como, nos períodos em que o elevador pára, para reparação ou por motivos externos, andam todos os seus frequentadores esmorecidos, sem saberem bem que voltas dar para chegar ao cimo da colina.Mas vamos por partes: porquê Lavra? Ao contrário do que possa pensar-se, nada tem o nome a ver com qualquer prática agrícola. Tudo vem do nome de um abastado proprietário que ali teve alguns dos seus bens. Chamava-se Manuel Lopes do Lavre (ou Lavra) e viveu no século XVII. Foi em dada altura tesoureiro da princesa D. Maria Francisca Isabel de Sabóia (a princesa que veio para Portugal para casar com D. Afonso VI e acabou por ser de facto mulher deste e depois também do seu cunhado D. Pedro II). A vida da senhora em questão não foi exactamente um lago remansoso, pelo que o tesoureiro teve de, várias vezes, adiantar verbas de seu bolso para acudir às aflições.Segundo mestre Júlio de Castilho, esta família Lavre granjeara grossos capitais no negócio de carnes. Como no actual Campo dos Mártires da Pátria existiram o Campo do Curral e o matadouro de Lisboa, poderá, sem grande ousadia, imaginar-se que a família conheceria bem as terras em roda, tendo comprado a zona onde hoje se insere a Calçada.Já agora - e como as conversas sobre Lisboa se assemelham a cerejas, que vêm umas pegadas às outras - diga-se que outro Lavre, descendente do Manuel de que falámos, foi fidalgo da casa real. Chamava-se André Lopes do Lavre e exerceu numerosos cargos; foi nomeadamente comendador, secretário do Conselho Ultramarino, alcaide-mor, etc. Uma filha sua, D. Maria Antónia, veio a casar com um vizinho: o morgado de Oliveira, antepassado dos marqueses de Rio Maior. Ora a casa de Rio Maior possuía um palácio na actual Rua de S. José, à beirinha da calçada. E nesse palácio veio a nascer, em 17 de Novembro de 1790, aquele que viria a ser o Duque de Saldanha e teria importante papel na História portuguesa.E poderá completar-se este parêntese relacionado com os Lavre para anotar que nesse velho palácio dos Rio Maior se instalou mais tarde a Escola Nacional, um estabelecimento de ensino privado que teve fama nas primeiras décadas do século XX. Os Correios foram também para as imediações do Lavra, em 1912.Mas antes do Lavre, ou Lavra, a calçada obviamente já existia. A gente do lugar chamava-lhe de Damião de Aguiar. A história é, mais ou menos, a mesma. Este Damião de Aguiar Ribeiro era um importante cidadão lisboeta do século XVI. Chegou a ser conselheiro de el-rei, desembargador do Paço e vereador de Lisboa. Mas, durante a crise dinástica de 1580, após a morte do cardeal D. Henrique e desaparecido que fora D. Sebastião no Norte de África, Damião tomou o partido dos Filipes. Esteve inclusivamente presente na entrega das chaves de Lisboa ao duque de Alba, que as recebeu em nome de Filipe I. Da casa e das terras poucas notícias houve, até que foram parar às mãos da família Lavre.
O monumento (e não se emprega a palavra ao acaso, dado que se trata de um monumento nacional, como tal classificado) da calçada é, como se disse, o elevador. Trata-se do mais antigo transporte do género em Lisboa, quer se fale dos existentes (Bica, Glória e Santa Justa) quer dos já desaparecidos (Biblioteca, Chiado, Estrela, Graça e S. Sebastião). Na verdade, foi, como os seus irmãos, obra do engenheiro Raul Mesnier du Ponsard, português de origem francesa. A inauguração teve lugar em 19 de Abril de 1884 e pode dizer-se que logo começou com largo trabalho: rezam as crónicas que só nesse dia trabalhou 16 horas e transportou mais de três mil passageiros. A novidade podia muito. Funcionava então pelo sistema de cremalheira e por contrapeso de água, isto é: o carro que começava a descida enchia um reservatório de água, colocado no tejadilho. Dado esse peso suplementar e a força da gravidade, o carro descia e fazia subir o outro. Mais tarde, o sistema foi substituído pelo vapor. Em 1915, procedeu-se à electrificação.
Muita gente continua a utilizar o centenário elevador, meio mais prático e directo de subir a colina de Sant Ana. Sem que quase ninguém se lembre da família Lavra que deu nome a tudo aquilo... "
O centenário Elevador do Lavra é o mais antigo transporte do género na capital, sendo classificado como monumento nacional Sejamos justos: sem o elevador, a Calçada do Lavra nada seria e a maior parte dos lisboetas passaria por ela sem lhe ligar grande importância, já que, na base, só de olhar para a sua inclinação, fica um transeunte logo cansado... Sem aquele carrinho amarelo que, paciente, sobe e desce, unindo os baixos do Largo da Anunciada aos altos do Torel e vizinhanças do Campo de Sant Ana, a calçada seria talvez uma espécie de campo de treino para alpinistas ou pista de "escorrega" para garotos dispostos a bater com a cabeça nas lajes do sopé. Basta verificar como, nos períodos em que o elevador pára, para reparação ou por motivos externos, andam todos os seus frequentadores esmorecidos, sem saberem bem que voltas dar para chegar ao cimo da colina.Mas vamos por partes: porquê Lavra? Ao contrário do que possa pensar-se, nada tem o nome a ver com qualquer prática agrícola. Tudo vem do nome de um abastado proprietário que ali teve alguns dos seus bens. Chamava-se Manuel Lopes do Lavre (ou Lavra) e viveu no século XVII. Foi em dada altura tesoureiro da princesa D. Maria Francisca Isabel de Sabóia (a princesa que veio para Portugal para casar com D. Afonso VI e acabou por ser de facto mulher deste e depois também do seu cunhado D. Pedro II). A vida da senhora em questão não foi exactamente um lago remansoso, pelo que o tesoureiro teve de, várias vezes, adiantar verbas de seu bolso para acudir às aflições.Segundo mestre Júlio de Castilho, esta família Lavre granjeara grossos capitais no negócio de carnes. Como no actual Campo dos Mártires da Pátria existiram o Campo do Curral e o matadouro de Lisboa, poderá, sem grande ousadia, imaginar-se que a família conheceria bem as terras em roda, tendo comprado a zona onde hoje se insere a Calçada.Já agora - e como as conversas sobre Lisboa se assemelham a cerejas, que vêm umas pegadas às outras - diga-se que outro Lavre, descendente do Manuel de que falámos, foi fidalgo da casa real. Chamava-se André Lopes do Lavre e exerceu numerosos cargos; foi nomeadamente comendador, secretário do Conselho Ultramarino, alcaide-mor, etc. Uma filha sua, D. Maria Antónia, veio a casar com um vizinho: o morgado de Oliveira, antepassado dos marqueses de Rio Maior. Ora a casa de Rio Maior possuía um palácio na actual Rua de S. José, à beirinha da calçada. E nesse palácio veio a nascer, em 17 de Novembro de 1790, aquele que viria a ser o Duque de Saldanha e teria importante papel na História portuguesa.E poderá completar-se este parêntese relacionado com os Lavre para anotar que nesse velho palácio dos Rio Maior se instalou mais tarde a Escola Nacional, um estabelecimento de ensino privado que teve fama nas primeiras décadas do século XX. Os Correios foram também para as imediações do Lavra, em 1912.Mas antes do Lavre, ou Lavra, a calçada obviamente já existia. A gente do lugar chamava-lhe de Damião de Aguiar. A história é, mais ou menos, a mesma. Este Damião de Aguiar Ribeiro era um importante cidadão lisboeta do século XVI. Chegou a ser conselheiro de el-rei, desembargador do Paço e vereador de Lisboa. Mas, durante a crise dinástica de 1580, após a morte do cardeal D. Henrique e desaparecido que fora D. Sebastião no Norte de África, Damião tomou o partido dos Filipes. Esteve inclusivamente presente na entrega das chaves de Lisboa ao duque de Alba, que as recebeu em nome de Filipe I. Da casa e das terras poucas notícias houve, até que foram parar às mãos da família Lavre.
O monumento (e não se emprega a palavra ao acaso, dado que se trata de um monumento nacional, como tal classificado) da calçada é, como se disse, o elevador. Trata-se do mais antigo transporte do género em Lisboa, quer se fale dos existentes (Bica, Glória e Santa Justa) quer dos já desaparecidos (Biblioteca, Chiado, Estrela, Graça e S. Sebastião). Na verdade, foi, como os seus irmãos, obra do engenheiro Raul Mesnier du Ponsard, português de origem francesa. A inauguração teve lugar em 19 de Abril de 1884 e pode dizer-se que logo começou com largo trabalho: rezam as crónicas que só nesse dia trabalhou 16 horas e transportou mais de três mil passageiros. A novidade podia muito. Funcionava então pelo sistema de cremalheira e por contrapeso de água, isto é: o carro que começava a descida enchia um reservatório de água, colocado no tejadilho. Dado esse peso suplementar e a força da gravidade, o carro descia e fazia subir o outro. Mais tarde, o sistema foi substituído pelo vapor. Em 1915, procedeu-se à electrificação.
Muita gente continua a utilizar o centenário elevador, meio mais prático e directo de subir a colina de Sant Ana. Sem que quase ninguém se lembre da família Lavra que deu nome a tudo aquilo... "
2 comentários:
Julgo não estar enganada ao dizer que pertenceu à Ordem Militar de Santiago e foi doada a D. Fernando de Mascarenhas.
Não virá ao caso, o importante é que tenhamos muito carinho pelas nossas terras.
O Lavre é uma vila magnífica, com uma paisagem e uma ribeira maravilhosa para além de uma banda extraordinária que tive o prazer de ver num memorável concerto com o maestro António Victorino d'Almeida.
Parabéns Maria e um abraço do Alentejo.
Sinceramente, do Elevador do Lavra, interessam-me, sobretudo, as memórias que, para mim, lhe andam associadas.
E são muitas!...
São, sobretudo, memórias de uma Lisboa desaparecida em que morar nos velhinhos Anjos (uma autêntica vila entre vilas, nessa Lisboa deliciosamente 'pós-rural' de '50e '60 onde a "experiência da modernidade" se limitava a um extasiado passeio a pé pelo percurso que vai do início da Guerra Junqueiro à porta do Vavá!...) ou ao ir, igualmente, a pé até ao Capitólio (descendo--lá está!--pelo elevador do Lavra): uma aventura considerável!
O Lavra era uma espécie de fronteira entre a Lisboa pequenino-burguesa cuja extrema era a Pena e a Lisboa aristocrática da "Baixa"!
A seguir a ele, ficava, então, o mundo fascinantemente decadente (e discretamente devasso) do Parque Mayer em cujo coração semi-derribado se erguia, ruinoso mas altivo, o velho "Capitólio" onde fui, tantas vezes, venerar (é o termo!) a Pier Angeli, o primeiro de muitos amores cinéfilos, invariavelmente correspondidos em horas de puro êxtase em salas cumplicemente escurecidas de cinema...
E foram elas mesmas muitas, tais salas--da do "Terrace" à do "Jardim", passando pela do "Imperial" e pela do "Lys".
Muito do encanto dessa memória impossível de reconstituir hoje acha-se, todavia, indissoluvelmente ligado a essa "passagem do Lavra" por onde se acedia da Lisboa burguesa e vulgar (da Lisboa quotidiana dos bairros--ou do "bairro", como titulava o Pratolini) à Lisboa esplendorosa da descoberta e da experimentação!
Bom, velho Lavra!
Quero lá saber quem foi o tipo ou os tipos que te deram o nome, Amigo: bastam-me as memórias e a experiência irrecuperável que partilhámos, um dia, tu e eu!...
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