A minha Avó
A avó da minha avó, nem sei que nome tinha, o enxoval bordava de menina (lençóis camisa e toalhinha).
Já moça na seara o olhar de soslaio bastara, no baile a dança à janela o beijinho na face e com ajudas galinhas vinho o casamento se fazia…
Já moça na seara o olhar de soslaio bastara, no baile a dança à janela o beijinho na face e com ajudas galinhas vinho o casamento se fazia…
Mulher de respeito, cavava plantava mondava regava ceifava, a casa de branco caiava e de tão limpa no telhado nenhum ninho durava. Amassava, a lenha apanhava o forno acendia e o pão para a semana cozia. No tempo devido tratava do pimentão, das tripas dos enchidos, do coalho e do cardo, das azeitonas e no Carnaval dos fritos... Carregava água com o cântaro à cabeça e outro à ilharga, muitas vezes prenha, fazia a barrela e lavava, torcia cosia remendava e com o ferro de brasas toda a roupa passava. Na enxerga seu homem satisfazia e quando paria amamentava adormecia benzia curava ensinava corrigia castigava perdoava absolvia…
Os mortos velava com choro e com reza, cuidava das campas, dos velhos, da cria… E côdea dura p’ro mendigo sempre haveria.
Não deixou anel de ouro nem pulseira nem fio.
O alguidar as panelas a salgadeira a talha dois pratos de louça fina o vestido e o xaile deixou tudo às filhas, que dela aprenderam e como elas suas filhas fizeram.
Serei adoptada, inacabada ou tonta... tanto vi fazer e nada aprendi. Perdida, sem destino a cumprir, procuro-me no espelho, retoco o batom, revejo o verniz… Atrás de mim todas elas e atrás delas outras tantas, de pé e serenas, sem boca nem olhar, só as mãos rugosas para servir ainda prontas.
7 comentários:
Um poema feito prosa ou uma prosa perfumada de poesia? Não importa, simplesmente belissímo.
Obrigada, mas não sei se existe poesia aqui... Para mim é tudo tão real!
A força da memória que aquela Mulher aviva, mesmo que regada na dureza da vida, não desperta, ou comporta em si própria, o sentimento do belo? O que é isso senão poesia?
“E côdea dura p’ro mendigo sempre haveria”.
Talvez não me tivesse expressado correctamente, temia não ter conseguido falar delas em toda a sua plenitude...
Talvez não me tivesse expressado correctamente, temia não ter conseguido falar delas em toda a sua plenitude...
Penso que te expressaste :-) Eu apenas quis que tivesses plena consciência do hino que escreveste. É uma (muito) digna e excelsa homenagem, sem dúvida. E aquela frase que escolhi(entre diversas outras possíveis)diz tudo.
a mim também muito parece um hino a elas, às mulheres antes de ti. avó, mãe, tias... fazedoras de todas as tarefas de que dependia o bom funcionamento da família, toda a família. não deixa de ser um hino a ti também, pelo respeito...
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