31 de maio de 2011

A minha Avò


A minha Avó

A avó da minha avó, nem sei que nome tinha, o enxoval bordava de menina (lençóis camisa e toalhinha). 
Já moça na seara o olhar de soslaio bastara, no baile a dança à janela o beijinho na face e com ajudas galinhas vinho o casamento se fazia…
Mulher de respeito, cavava plantava mondava regava ceifava, a casa de branco caiava e de tão limpa no telhado nenhum ninho durava. Amassava, a lenha apanhava o forno acendia e o pão para a semana cozia. No tempo devido tratava do pimentão, das tripas dos enchidos, do coalho e do cardo, das azeitonas e no Carnaval dos fritos... Carregava água com o cântaro à cabeça e outro à ilharga, muitas vezes prenha, fazia a barrela e lavava, torcia cosia  remendava e com o ferro de brasas toda a roupa passava. Na enxerga seu homem satisfazia e quando paria amamentava adormecia benzia curava ensinava corrigia castigava perdoava absolvia…
Os mortos velava com choro e com reza, cuidava das campas, dos velhos, da cria… E côdea dura p’ro mendigo sempre haveria.

Não deixou anel de ouro nem pulseira nem fio.
O alguidar as panelas a salgadeira a talha dois pratos de louça fina o vestido e o xaile deixou tudo às filhas, que dela  aprenderam e como elas suas filhas fizeram.
Serei adoptada, inacabada ou tonta... tanto vi fazer e nada aprendi. Perdida, sem destino a cumprir, procuro-me no espelho, retoco o batom, revejo o verniz… Atrás de mim todas elas e atrás delas outras tantas, de pé e serenas, sem boca nem olhar, só as mãos rugosas para servir ainda prontas.

7 comentários:

Yellow Mcgregor (ou João LN :-) ) disse...

Um poema feito prosa ou uma prosa perfumada de poesia? Não importa, simplesmente belissímo.

marialascas disse...

Obrigada, mas não sei se existe poesia aqui... Para mim é tudo tão real!

Yellow Mcgregor (ou João LN) disse...

A força da memória que aquela Mulher aviva, mesmo que regada na dureza da vida, não desperta, ou comporta em si própria, o sentimento do belo? O que é isso senão poesia?

“E côdea dura p’ro mendigo sempre haveria”.

marialascas disse...

Talvez não me tivesse expressado correctamente, temia não ter conseguido falar delas em toda a sua plenitude...

marialascas disse...

Talvez não me tivesse expressado correctamente, temia não ter conseguido falar delas em toda a sua plenitude...

João LN disse...

Penso que te expressaste :-) Eu apenas quis que tivesses plena consciência do hino que escreveste. É uma (muito) digna e excelsa homenagem, sem dúvida. E aquela frase que escolhi(entre diversas outras possíveis)diz tudo.

mariabesuga disse...

a mim também muito parece um hino a elas, às mulheres antes de ti. avó, mãe, tias... fazedoras de todas as tarefas de que dependia o bom funcionamento da família, toda a família. não deixa de ser um hino a ti também, pelo respeito...